Espera aí...
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.
Espera aí...

Apoio aos fóruns amigos
 
InícioInício  Últimas imagensÚltimas imagens  ProcurarProcurar  RegistarRegistar  EntrarEntrar  

 

 Escuta Zé-Ninguém-9

Ir para baixo 
AutorMensagem
Torcato
Admin
Torcato


Mensagens : 311
Data de inscrição : 08/01/2009

Escuta Zé-Ninguém-9 Empty
MensagemAssunto: Escuta Zé-Ninguém-9   Escuta Zé-Ninguém-9 EmptyTer Fev 03, 2009 12:35 pm

Há já algum tempo que a vida
em ti começa a dar sinais de rebeldia perante a distorção que lhe é imposta. Esta é a hora primeira de um futuro maior, do fim de toda a forma de mediocridade. Porque entretanto o modo como age a peste emocional se foi tornando demasiado óbvio. Acusa a Polônia das intenções de agressão militar, depois de tomada a decisão de agredir a Polônia. Acusa o rival da intenção de crime depois de decidir eliminá-lo. Acusa de pornografia a vida sexual sã, "que tem em mente intenções pornográficas. Já te topamos, Zé Ninguém; vais-te tornando transparente sob a tua fachada de desgraça e submissão. O que te é pedido é que determines o rumo do mundo com o teu trabalho e a tua realização - substituir uma forma de tirania por outra é que nunca. O que se te exige é que te submetas às leis da vida tal como quererias que os outros fizessem; que te modifiques à medida que os vais criticando. Cada vez é mais óbvia a tua predisposição para a tagarelice a tua avidez, a tua irresponsabilidade - o mal de ti que conspurca toda a beleza da Terra. Sei que não te agrada o que ouves, que preferes berrar “Viva!”, que és bem capaz de parir o futuro do proletariado do IV Reich. Mas não é menor a minha convicção de que as coisas te vão sendo mais difíceis hoje que no passado – embora sejas ainda brutal sob a tua máscara de sociabilidade e gentileza, Zé Ninguém. Não acreditas? Deixa então que te refresque a memória:
Lembras-te da magnífica tarde em que vieste, como lenhador que eras, pedir trabalho à minha cabana na montanha? Depois de farejar-te, o meu cachorro saltou-te aos joelhos. Viste que era cão de boa raça e disseste então: “Devia amarrá-lo para se fazer bravo. O cão é manso de mais”. Ao que eu te respondi: “Eu não quero ter uma fera amarrada com correntes. Não gosto de cães raivosos.” Ali, lenhador, tenho bem mais inimigos no mundo do que tu, mas continuo a preferir o meu majestoso cão, meigo com toda a gente.
Lembras-te do domingo chuvoso em que a angústia perante o fenômeno da tua rigidez biológica me levou a sair de casa, largando o trabalho, para me enfiar num dos teus bares? Sentei-me a uma mesa e pedi um uísque (não, Zé Ninguém, não sou alcoólico, embora goste de beber de vez em quando). Ia, pois, bebendo o meu copo quando te ouvi, no teu paleio de recém-desmobilizado, descrever os Japoneses como “macacos horrendos”. E foi então que afirmaste, com a expressão facial que eu tão bem conheço do meu trabalho terapêutica: “Vocês sabem o que a malta devia fazer com os Japoneses da costa ocidental? Estrangulá-los todos, um por
um, mas devagar, lentamente, apertar-lhes o garrote a pouco e pouco, assim...”, e ias fazendo o gesto com as mãos, Zé Ninguém. O criado apoiava-te, fazia que sim em admiração perante a tua heróica masculinidade. Já alguma vez tiveste um bebê japonês recém-nascido nos braços, patriótico de merda? Durante muitas décadas continuarás ainda a estrangular espiões japoneses, aviadores americanos, camponeses russos, oficiais alemães, anarquistas ingleses e comunistas gregos – hás-de fuzilá-los, condená-los à cadeira elétrica, às câmaras de gás -, o que em nada irá alterar a tua, prisão de ventre generalizada, a tua incapacidade de amar, o teu reumatismo ou a tua doença mental. Não serão os crimes que possas cometer que irão arrancar-te ao lameiro. Olha para ti, Zé Ninguém. É a tua única esperança. Lembras-te, Maria Ninguém, do dia em que vieste ao meu consultório espumando de raiva contra o homem que se tinha separado de ti? Durante anos e anos tiveste-o debaixo de mão, a ele e à tua mãe, tias, sobrinhos e demais família, enquanto o desgraçado se ia encolhendo cada vez mais, dando-te de comer a ti e a todos os outros. Até que num último esforço para manter vivo em si o que a vida possa ter de sentido te deu com os pés e desandou; só que como não se sentia suficientemente forte para poder libertar-se isolado do teu jugo, me veio pedir auxílio. Pagou-te de boa vontade a pensão que lhe foi imposta pela lei, três quartos do total dos seus ganhos – o preço do seu amor pela liberdade. Porque este homem era deveras um grande artista, e a verdadeira arte, tal tomo a ciência genuína, não sobrevive a quaisquer algemas. Tu, porém, na tua raiva cega, o que querias era que fosse ele a sustentar-te totalmente, apesar de teres a tua própria profissão – e sabias que eu o ajudaria a eximir-se a obrigações sem justificação possível. Enfureceste-te. Ameaçaste-me com a polícia porque, segundo dizias, era eu que lhe tirava o que tinha, aproveitando-me da sua necessidade de apoio. Por outras palavras, tu, como mulherzinha medíocre que és, acusaste-me das tuas próprias intenções. Nunca te ocorreu tentar progredir na tua situação profissional, porque isso teria significado a tua independência do homem por quem, há já tantos anos, nada mais sentias do que ódio. Achas que é assim que se pode construir um mundo novo?, tu que te apresentaste como ligada a certos meios socialistas que “saberiam tudo a meu respeito”? Não vês até que ponto o teu comportamento é típico, que há milhões como tu dispostos a destroçar a Terra? Bem sei que és “fraca” e “só”, “dependente da tua mãe”, “desamparada”, que te odeias a ti
própria, que não te suportas e estás desesperada. E é por isso que destróis a vida dó homem com quem viveste, Maria Ninguém, e a tua vida segue o rumo medíocre da maior parte das vidas. E sei ainda que os juizes e advogados estão do teu lado porque não possuem outra resposta para a tua desgraça.
Revejo-te a ti também, secretariazinha dum tribunal de província, tomando notas sobre o meu passado e o meu presente, sobre as minhas opiniões acerca do sentido da propriedade, acerca da Rússia e da democracia. Perguntam-me qual a minha posição social. Respondo que sou membro honorário de três sociedades científicas, entre as quais a Sociedade Internacional de Plasmogenia, o que parece impressionar a audiência. Na sessão seguinte, o oficial de diligências diz-me: “Há aqui uma coisa estranha – que o senhor é membro da Sociedade Internacional de Poligamia. Isto está certo?” E ambos nos rimos do teu engano, criaturinha medíocre. Percebes agora por que motivo as pessoas me difamam? Na base estão as tuas fantasias, não a minha forma de viver. É ou não verdade que tudo o que recordas de Rousseau é o seu apelo de “retorno à natureza”, o fato de que pouca atenção deu a seus filhos e que os colocou num orfanato? A tua natureza é perversa, porque apenas vês e ouves o que é desagradável, e nunca o que possa ser bom ou ter beleza.
“Ouçam! Eu vi-o correr as persianas à uma da manhã. O que é que vocês pensam que o tipo estava a fazer? E durante o dia tem-nas sempre abertas. Há! Ali há qualquer coisa!”
De pouco ou nada te servirá continuar a usar esses métodos contra a verdade. Nós já os conhecemos. Não são as minhas persianas que te preocupam, o que te interessa é ocultar a minha verdade. Tu queres continuar a ser difamador e delator, sempre que o teu vizinho se não acomode ao teu modo de vida, ou porque é bondoso, ou livre, ou simplesmente porque trabalha e pouco se incomoda contigo – por isso desejas que o prendam. És demasiado intrometido, Zé Ninguém, metes o nariz onde não és chamado para em seguida difamares, as costas quentes de saberes que a polícia não divulga a identidade dos seus informadores.
“Ouçam, contribuintes! E é isto um professor de Filosofia que uma das grandes universidades da vossa cidade quer contratar para ensinar a nossa juventude! Fora com ele!”
E a tua não menos preclara esposa e contribuinte põe a circular um abaixo-assinado contra o professor em causa, que, evidentemente, perde assim o lugar. Tu, virtuosíssima esposa e contribuinte, honorável parideira de patriotas, assim consegues ser mais poderosa que quatro mil anos de filosofia natural. Só que começamos a entender-te e, mais tarde ou mais cedo, a tua hora há-de soar.
“Ouçam bem todos aqueles que se interessam pela moral pública. Na nossa esquina mora uma mulher com a filha. E a filha recebe o namorado à noite. Vamos levá-la a tribunal, acusá-la de manter uma casa de passe! Polícia! Queremos a proteção dos costumes!”
E a mãe em causa é condenada, porque tu espias o que se passa na cama dos outros. Demasiado claramente o expressas, demasiado claras são as motivações dos teus apelos à “moral e à ordem”.Ou não é verdade que tentas beliscar o rabo a todas as empregadas, Zé Ninguém moralista? SIM, DESEJAMOS PARA OS NOSSOS FILHOS A EXPRESSÃO LIVRE E ABERTAMENTE ALEGRE DO SEU AMOR E QUE NÃO TENHAM QUE VIVÊ-LO CLANDESTINAMENTE, EM BECOS ESCUROS, NA OBSCURIDADE DE ENTRE PORTAS. Queremos respeitar os pais corajosos e honestos que entendem e protegem o amor adolescente dos seus filhos e filhas. Tais pais e mães são o germe das gerações futuras, cujo corpo e sentidos serão sãos, libertos enfim da obscenidade das tuas fantasias, Zé Ninguém impotente do século XX.
“Ouçam a última! Houve um rapaz que foi ter com ele para se tratar e teve de sair correndo com as calças na mão, porque, o tipo é homossexual!”
Não sentes o fedor do teu hálito, Zé Ninguém, quando espalhas por aí esta “verdade”? Não lhe reconheces a origem no teu monte de esterco, na tua prisão de ventre e lascívia? Eu nunca tive desejos homossexuais, tal como tu; nunca tentei seduzir rapariguinhas, nunca violei uma mulher, nunca sofri de prisão de ventre; nunca roubei afeto, como tu; só me liguei a mulheres que me queriam bem e a quem eu queria; nunca me exibi publicamente, como tu fazes - nem me deleito como tu em fantasias obscenas.
“Mas ouçam esta: o tipo atreveu-se de tal forma com a secretária que a rapariga teve que fugir de casa. Vivia com ela de persianas sempre corridas e a luz acesa até às três da manhã!”
E De la Mettrie era um sensualão que morreu atochado de bolos, segundo a tua versão; e o príncipe Rodolfo vivia em mancebia; e a Srª Roosevelt nunca foi muito certa da cabeça, e o reitor da Universidade X encontrou a mulher em flagrante delito de adultério, e o professor desta ou daquela escola de província tem uma amante. Não és tu que.o afirmas, Zé Ninguém? Não és tu que espalhas tais “ditos”? Tu, miserável cidadão do mundo, que durante. milênios assim malbaratas a tua própria vida, cavando tu mesmo a fossa onde te manténs.
“Agarrem-no! O tipo é um espião alemão, ou talvez russo, ou mesmo da Islândia! Eu vi-o às três da tarde na rua 86 de Nova Iorque e ainda para mais com uma mulher!”
Sabes qual é o aspecto dum piolho quando exposto a um foco de luz muito intenso? Bem me parecia que não. Um dia virá em que a lei usará da sua força contra o piolho humano – leis capazes de proteger a verdade e o amor. Tal como hoje se enviam para reformatórios adolescentes carecidos de afeto, haverá um dia instituições onde isolar os que enlameiam a reputação dos outros. Surgirão novos juízes e delegados de justiça, que não mais administrarão em formalismo e impostura, mas sim em verdade e tolerância. Leis novas hão-de erigir-se em proteção da vida, leis a que terás de obedecer, por muito que isso te pese. Sei, porém, que durante três, cinco ou dez séculos teremos de suportar-te como o portador por excelência da peste emocional, o riúcleo da difamação, da intriga, da inquisição abusiva. Mas acabarás por sucumbir à tua própria pureza; hoje enterrada tão profunda e inacessivelmente no teu ser.
Posso contudo asseverar-te que nenhum Kaiser, nenhum Czar ou Pai do proletariado pode jamais conquistar-te. Escravizar-te, sim, mas nenhum foi capaz de superar a tua mediocridade. A única coisa capaz de conquistar-te será o teu sentido da pureza, a tua aspiração à verdadeira vida – e quanto a isso, não tenho a menor dúvida. Uma vez superada a tua mediocridade e mesquinhez, começarás a pensar – de início, sem dúvida, errática, ridícula e erroneamente, mas pensarás com seriedade. Terás de aprender a suportar a dor
que todo o esforço de pensamento comporta em si mesmo, tal como eu e outros suportamos a pena de pensar-te – durante anos, em silêncio, de dentes cerrados. Esta nossa dor far-te-á pensar. E quando começares a fazê-lo sentirás a magnitude do absurdo dos teus quatro milênios de “civilização”. Ser-te-á difícil entender como foi possível que os teus jornais nada mais tivessem a relatar e comentar que paradas sem sentido, condecorações, crimes, enforcamentos, diplomacias, calúnias, mobilizações militares, desmobilizações, de novo mobilizações, pactos, bombardeamentos – e que não tenhas nunca reagido com agressividade ou te tenhas sequer apercebido do perigo que corrias. Talvez te houvesse sido possível entenderes-te a ti próprio se não tivesses engolido bovinamente tudo o que te cala nas mãos. Mas o que deveras será difícil aceitar é a verificação do fato de que tudo foste macaqueando e papagueando através dos séculos; o fato de que o que no teu íntimo acharas certo o era realmente, e que tomaste por patrióticos os teus erros. Terás vergonha da história que fizeste, e nisso reside a única esperança de que os nossos bisnetos não venham a ser obrigados a ler a tua história militar. E não mais será possível a montagem duma grande revolução apenas para pôr em cena um novo “Pedro, o Grande”.
Ir para o topo Ir para baixo
https://torcatodevezas.forumeiros.com
 
Escuta Zé-Ninguém-9
Ir para o topo 
Página 1 de 1
 Tópicos semelhantes
-
» Escuta Zé-Ninguém-10
» Escuta Zé-Ninguém-11
» Escuta Zé-Ninguém-1
» Escuta Zé-Ninguém-2
» Escuta Zé-Ninguém-3

Permissões neste sub-fórumNão podes responder a tópicos
Espera aí... :: TEXTO-
Ir para: