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 Escuta Zé-Ninguém-10

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Torcato
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MensagemAssunto: Escuta Zé-Ninguém-10   Escuta Zé-Ninguém-10 EmptyTer Fev 03, 2009 12:37 pm

UM OLHAR AGORA PARA O FUTURO. Não saberia dizer-te ao certo como será. Não sei se alcançarás a Lua ou Marte com o orgone cósmico que me foi possível isolar. Nem posso saber de que forma se irão erguer no espaço e aterrar as tuas naves espaciais, ou se utilizarás a luz do Sol para iluminar à noite as tuas casas. Mas sei O QUE NÃO MAIS farás dentro de quinhentos, ou mil, ou cinco mil anos.
“O tipo é visionário! E ainda por cima ditador, a prescrever-me o que não farei!”
Não sou ditador, Zé Ninguém, embora, quisesse eu sê-lo, a tarefa teria sido fácil perante a tua mediocridade. Os teus ditadores só podem dizer-te o que não podes fazer no presente, sob pena de seres enviado para a câmara de gás. Mas não podem dizer-te o que farás no futuro distante, tal como lhes não é possível provocar o crescimento mais rápido de uma árvore.
“E de onde te vem a tua sabedoria, tu, escravo intelectual do proletariado revolucionário?”
Do mais íntimo de ti mesmo, eterno proletário da razão humana.
“Essa é boa! Foi a mim que o tipo veio buscar a sabedoria, às minhas profundezas! Eu não tenho profundezas! E que espécie de conceito individualista de ‘profundezas’, de ‘mais íntimo’, é esse?”
Digo-te que as tens, embora as desconheças. Tens um medo mortal da tua própria profundidade, por isso nem sequer a sentes. Se te abeiras dela, tens vertigens, como se fora um abismo. Temes a queda e a perda da tua “individualidade”, quando só terias a ganhar com o abandono. Embora com as melhores intenções, a tua trajetória é, porém, sempre a mesma: a de uma criatura ávida, cruel, malevolente, mesquinha. Se não te achasse afundado em tua própria fundura não me teria dado ao trabalho desta longa conversa. Conheço a tua capacidade de ir fundo, do tempo em que me procuravas como médico, como alguém a quem entregar o teu sofrimento. O que tens de verdadeiramente profundo é a pedra onde assentará a grandeza do teu futuro. É por isso que posso nomear com segurança o que não mais farás no futuro, porque será então que tu mesmo pasmarás perante o que fizeste durante toda uma era de quatro mil anos de incultura. Quererás agora ouvir-me?
“Vamos a isso, porque é que eu não hei-de dar ouvidos a mais uma utopiazinha? Não há nada, a fazer, meu caro doutor -sou e continuarei a ser um pobre diabo, o homem da rua, que não tem opinião própria. Aliás, quem sou eu para...”
Ouve. Escondes-te detrás da lenda do Zé Ninguém, porque tens medo de mergulhar e de ter de nadar no grande rio da vida, quanto mais não seja em nome dos teus filhos e dos filhos dos teus filhos. A primeira de todas as coisas que não mais farás será consentir na percepção de ti próprio como sujeito insignificante e sem opinião, que afirma a todo o momento “mas quem sou eu...” Tu tens a tua opinião própria e no futuro que prevejo passarás a considerar como vergonha não a conheceres, não a defenderes, não a expressares.
“Mas o que dirá a opinião pública acerca da minha opinião? Os outros fazem-me em tiras se eu me atrever a expressá-la”.
Aquilo a que chamas “opinião pública”, Zé Ninguém, nada mais é que o total de todas as opiniões de todos os homens e mulheres ditos comuns. Todo o homem e mulher tem opiniões erradas e
certas. Expressa as erradas porque teme as igualmente erradas dos outros homens e mulheres comuns – e esta é a razão fundamental porque as opiniões corretas raramente são expressas. Tu já não crês, por exemplo, que a tua opinião “não conte”. Um dia saberás e defenderás saber que és o suporte da sociedade humana. Não fujas. Não fiques aterrorizado. Não é assim tão terrível ser a base responsável da sociedade humana.
“Que é então necessário que eu faça para me transformar no suporte da sociedade humana?”
Nada terás que fazer de extraordinário ou de novo basta que continues arando os teus campos, usando o teu machado, examinando os teus doentes, levando os teus filhos à escola ou ao campo de jogos, contando aos teus o teu dia-a-dia, tentando penetrar mais fundo nos segredos da natureza. Tudo isso já és capaz de fazer – embora o tenhas na conta de insignificante perante os feitos do general cheio de condecorações ou príncipe “inchado”, cavaleiro de armadura reluzente.
“Mas o senhor é um visionário, doutor! Não vê que os generais e os príncipes são os detentores dos exércitos e das armas com que se fazem as guerras, do poder de convocar-me para o serviço militar, de destruir as minhas colheitas, o meu laboratório, o meu gabinete de trabalho?”
És convocado para servir o exército e as tuas colheitas e fábricas são destruídas porque berras “Viva!” enquanto lá andas, e tudo o que te pertence é feito em estilhas. Os teus heróis de armadura reluzente não teriam soldados nem armas se claramente assumisses o fato de que mais importam as tuas colheitas e. a produção das tuas fábricas, e que nem campos nem fábricas existem para serem destruídos - coisa que os teus militares e heróis desconhecem, porque nunca trabalharam nos campos, nas fábricas ou.em laboratórios, e crêem que o teu trabalho se processa apenas para servir a honra da pátria alemã ou proletária e não para alimentar e vestir os teus filhos.
“Que é que eu hei-de fazer? Odeio a guerra, a minha mulher chora de desespero cada vez que me chamam, os meus filhos morrem de fome quando os exércitos proletários ocupam as minhas terras e não tem conta o número dos mortos. Tudo o que desejaria era que
me deixassem trabalhar em paz nos meus campos, brincar com os meus filhos à volta do trabalho, amar a minha mulher, e, aos domingos, poder tocar, dançar e cantar com alegria. Que hei-de fazer?”
Tão-somente continuar a fazer o que fazes e o que desejas fazer-criar os teus filhos na alegria, amar a tua mulher. SE PUDESSES FAZÊ-LO CLARA E FIRMEMENTE NÃO MAIS HAVERIA GUERRAS – guerras que expõem a tua mulher aos ataques de soldados brutalizados por longos períodos de abstinência sexual, guerras que levam à morte por inanição os teus filhos tornados órfãos, guerras que só te oferecem a ilusória imagem de um celeste “campo de glória”.
“Mas que espécie de homem sou eu se vivendo apenas para o meu'trabalho, para a minha mulher e para os meus filhos os vir ameaçados pelos hunos ou alemães, japoneses ou russos, ou quaisquer outros que me imponham a guerra? Não será meu dever defender o que amo e me pertence?”
Tens razão, Zé Ninguém. Se te atacarem terás de pegar em armas. Mas poderás entender que o “inimigo”, os hunos de todas as nações, nada mais são que milhões de Zés Ninguéns como tu, que berram “Viva!” sempre que os seus príncipes (que desconhecem o trabalho) os chamam às fileiras? Que, tal como tu, também cada um deles se tem em pouca conta e se interroga: “... mas quem sou eu para ter opinião própria?” Quando souberes um dia que és alguém, que a opinião que tens acerca de ti próprio é correta, e que os teus campos e fábricas foram feitos para servir a vida, e não a morte, então poderás responder tu próprio às questões que ora me pões. E para isso não precisarás da seção dos teus diplomatas. Em vez de continuares a berrar “Viva!” e a cobrir de flores o túmulo do soldado desconhecido, ou a consentir que qualquer príncipe à pressa ou general de todos os proletários venha esmagar com o seu peso a tua consciência nacional, deverás opor-lhe a tua auto-estima e a consciência do valor do teu trabalho. (Conheço o teu Soldado Desconhecido, Zé Ninguém. Encontrei-o em combates nas montanhas da Itália – é o mesmo Zé Ninguém que tu, descrente da existência de uma opinião própria, dizendo, “mas quem sou eu etc...”) Poderias tentar conhecer o teu irmão, o Zé Ninguém do Japão, da China, de qualquer país “belicoso”, e tentar dar-lhe a conhecer a opinião justa que tens acerca do teu trabalho como
operário, médico, agricultor, pai ou marido, convencendo-o de que afinal tudo o que há a fazer é, simplesmente, tornar qualquer guerra impossível, pela força do amor ao trabalho e aos teus.
“Bom. Mas eles têm as bombas atômicas, e uma só delas pode matar centenas de milhares de pessoas”.
Parece-me que ainda não entendeste bem, Zé Ninguém. Julgas que são os príncipes e generais que fabricam essas bombas? Não, são homens como tu que as constroem berrando “Viva!”, em vez de se recusarem a fazê-lo. Como vês, tudo se encontra ligado ao fato de pensares certa ou erradamente. Se não fosses tão terrivelmente medíocre, grande cientista do século XX, terias achado maneira de servir não à consciência nacional, mas uma consciência internacional que pudesse para sempre impedir a utilização de bombas atômicas; ou, se tal fosse impossível, terias exercido toda a tua influência, por meio de palavras inequívocas, para que nem sequer fossem construídas. Cego com a tua invenção, não vês sequer uma saída possível, porque a buscas no sentido errado e porque pensas mal. E prometeste contudo a todos os Zés Ninguéns do mundo que a tua energia atômica seria a culpa do seu cancro ou do seu reumatismo, sabendo perfeitamente que tal não seria jamais possível, e que apenas tinhas entre mãos as bases de uma arma criminosa. E assim, a tua cegueira é idêntica às dos físicos das épocas anteriores. ESTÁS ARRUMADO PARA SEMPRE. Tu sabes, Zé Ninguém, que eu te dei a conhecer as possibilidades terapêuticas da minha energia cósmica. Mas mantiveste-te silencioso e continuas a morrer de cancro ou do coração berrando “Viva, viviam a cultura e a técnica”. Afirmo-te, pois, Zé Ninguém, que vais cavando o teu próprio túmulo de olhos abertos. Crês que chegou uma nova era, a “era da energia atômica”. Chegou de fato, mas não do modo como a imaginas. Não no teu inferno, mas no meu pequeno e recatado laboratório num recanto distante dos Estados Unidos.
A decisão é tua, Zé Ninguém, quanto a desejares ou não a guerra. Se ao menos pudesses ter consciência de que o teu trabalho serve a vida, e não a morte. Se ao menos pudesses saber que todos os Zés Ninguéns da Terra são exatamente como tu, no que têm de mau e de bom. Mais tarde ou mais cedo -depende de ti não mais hás-de berrar “Viva” a torto e a direito e não voltarás a trabalhar nas tuas fábricas e campos consentido que possam vir a ser alvo de ataques
militares. Mais tarde ou mais cedo aprenderás a servir apenas a vida, e nunca a morte.
“Achas que devo fazer uma greve geral?”
Não sei se deves fazer isto ou aquilo. Uma greve geral é um meio arriscado, pois que te expões à justa acusação de que deixas a tua mulher e os teus. filhos a morrer de fome. Não é a greve que irá provar o teu senso de responsabilidade perante os males da tua sociedade. Quando entras em greve não trabalhas. Um dia virá em que, em vez de fazeres greves, saberás TRABALHAR deveras em nome da vida. Chama-lhe então greve de trabalho, se tens apego à palavra “greve”. Mas greve trabalhando para ti, para os teus filhos, para a tua mulher ou a tua rapariga, para a tua sociedade, a tua produção ou as tuas terras. Vai dizer-lhes que não te sobra tempo para as guerras deles, que tens, mais que fazer. Muralha cada cidade desta convicção e deixa então que diplomatas e marechais se matem uns aos outros, pessoalmente. Tais seriam as coisas a ser feitas, se não mais berrasses “Viva” e não mais te afirmasses como sendo ninguém, ou alguém sem direito a opinião própria. Tens tudo nas mãos, a tua vida e a dos teus filhos, o teu machado e o teu estetoscópio. Vejo-te abanar a cabeça, pensar que sou um utopista ou talvez mesmo um “comunista”. Perguntas-me se poderei dizer-te quando saberás viver a tua vida em paz e segurança; a resposta consiste no inverso da tua forma de ser atual: viverás bem e em paz quando a vida significar para ti mais do que a segurança; o amor mais do que o dinheiro; a tua liberdade mais do que as linhas diretivas do partido ou a opinião pública; quando o modo de estar no mundo de um Beethoven ou de um Bach for o tom habitual de toda a tua existência (e já o é, Zé Ninguém, abafado pelo rumor da tua existência menor); quando a tua forma de pensar estiver de acordo, e não, como hoje, em discordância, com a tua forma de sentir; quando te for possível reconhecer os teus dotes a tempo e reconhecer a tempo o teu declínio, a tua velhice; quando te for possível viver o pensamento dos grandes homens em lugar dos crimes dos ditos grandes guerreiros, quando os professores dos teus filhos forem mais bem pagos do que os políticos; quando tiveres maior respeito pelo amor entre um homem e uma mulher do que por um certificado de casamento; quando puderes reconhecer os teus erros refletindo a tempo, e não demasiado tarde, como o fazes hoje; quando sentires que o teu espírito se engrandece conhecendo a verdade e as formalidades te inspirarem horror;
quando comunicares diretamente com os teus camaradas de trabalho, não mais tendo diplomatas por intermediários; -quando: a alegria que a tua filha adolescente possa encontrar no amor for também a tua alegria, e não motivo da tua cólera; quando souberes abanar apenas a cabeça nas mesmas circunstâncias em que outrora se castigavam as crianças por tocarem nos seus órgãos sexuais; quando finalmente a face humana do homem da rua puder expressar a alegria, a liberdade e a comunicação, não mais a tristeza e a miséria; quando os seres humanos não mais povoarem a terra com as suas ancas retraídas e rígidas e os seus órgãos sexuais enregelados. Pedes orientação e conselho, Zé Ninguém. Quantas vozes, boas e más, se ergueram, pelos séculos, em resposta... Não é porque delas careças que permaneces na desgraça; é a tua própria mesquinhez que te condena. Também eu poderia aconselhar-te, mas sendo como és e pensam o como pensas não serias capaz de pôr em seção o que quer que te fosse aconselhado no interesse de todos.
Imaginemos que eu te aconselhava a fazeres desaparecer toda a atividade diplomática e a substituí-la, pela fraternidade profissional e pessoal com todos os sapateiros, carpinteiros, mecânicos, técnicos, físicos, educadores, escritores, administradores, mineiros e camponeses de todos os países; que fossem, pois, todos os sapateiros do mundo os responsáveis pela decisão de qual o melhor modo de calçar todas as crianças chinesas; os mineiros responsáveis pelas reservas de carvão para aquecimento de todos os países frios; os educadores de todo o mundo volvidos guardiões da futura sanidade mental de todas as crianças recém-nascidas. Que farias tu, Zé Ninguém, sé te visses a braços com todos estes simples problemas da existência quotidiana?
Decerto que a tua resposta, ou a de qualquer dos representantes do teu partido, governo ou sindicato, (a menos que me prendesses imediatamente como “comunista”), seria a seguinte:
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