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 Escuta Zé-Ninguém-6

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Torcato
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MensagemAssunto: Escuta Zé-Ninguém-6   Escuta Zé-Ninguém-6 EmptyTer Fev 03, 2009 12:25 pm

Muitos foram os grandes homens a propor-te.
“Ouçam este pequeno-burguês reacionário e individualista! O tipo desconhece a marcha inexorável da história. 'Conhece-te a ti próprio' – diz ele. A asneira burguesa do costume! O proletariado revolucionário mundial, conduzido pelo seu bem-amado chefe, pai de todos os povos, de todos os Russos, de todos os Eslavos, libertará o povo. Abaixo os individualistas e anarquistas!”
E vivam os Paizinhos de todos os povos, de todos os Eslavos, Zé Ninguém! Ouve bem agora, que tenho algumas predições graves a fazer-te: estás de fato em vias de te apropriares do mundo, o que te aterra. Durante séculos, irás assassinar os teus amigos e saudar como teus senhores os chefes de todos os povos, de todos os Russos. Dia após dia, semana após semana e década após década, louvarás senhor após senhor, esquecendo os gemidos dos teus filhos, ignorando a agonia dos teus adolescentes, as aspirações dos teus homens e mulheres, ou, se acaso os escutares, chamar-lhe-ás individualismo burguês. Em lugar de protegeres a vida, irás derramando o sangue atrás dos séculos, na crença de que apenas alcançarás a liberdade com o auxílio de carrascos – de novo e de novo enterrado na lama por tuas próprias mãos. Continuarás através dos séculos a seguir embusteiros e energúmenos, cego e
surdo ao apelo da VIDA, A TUA PRÓPRIA VIDA. Porque tu temes a vida, Zé Ninguém, e a destróis na crença de que o fazes em nome do “socialismo”, ou do “Estado”, ou da “honra nacional”, ou da “glória de Deus”. Há algo, no entanto, que não sabes ou não queres saber: que és tu que geras a tua própria miséria, hora após hora, dia após dia; que não entendes os teus filhos e que tu próprio lhes partes a espinha antes de terem -sequer uma oportunidade de desenvolver-se; que devoras o amor; que és avaro e ávido de poder – que mantém o cão preso para te sentires “dono”. Caminharás errante através dos séculos e estarás condenado à mesma morte em massa dos teus iguais no meio da miséria social generalizada; até que do horror da tua existência possa surgir-te um escasso núcleo de lucidez. Até que aprendas a buscar o teu verdadeiro amigo no homem de trabalho, de amor e de sabedoria, até que aprendas a entendê-lo e a respeitá-lo. Entenderás então que mais importa para a verdadeira vida uma biblioteca que um desafio desportivo; o deambular pelo campo em meditação do que o exibir-se onde quer que seja; o poder de sarar do que o de morte; a saudável estima por si próprio do que a consciência nacional, e a humildade bem mais que a exaltação patriótica ou qualquer outra.
Pensas que os fins justificam os meios, ainda que estes sejam vis. Enganas-te: o fim é a trajetória com que o alcanças. Cada passo de hoje é a tua vida de amanhã. Nenhum objetivo verdadeiramente grande poderá ser alcançado por meios vis – tens bem a prova de que assim é em todas as revoluções sociais. A vileza ou a desumanidade duma dada trajetória torna-te vil e desumano, e o fim inatingível.
“Como poderei então servir os objetivos do amor cristão, do socialismo, da Constituição americana?”
O teu amor cristão, o teu socialismo, a tua Constituição americana assentam sobre a tua vida quotidiana, sobre o que pensas no teu dia-a-dia, sobre o modo como fazes amor com a tua companheira, sobre a tua atitude face ao trabalho como TUA RESPONSABILIDADE SOCIAL, sobre a forma como evitas ser o supressor da tua própria vida. Mas és tu, Zé Ninguém, que abusas das liberdades que te são concedidas pela Constituição e que assim a destróis, em vez de tentares consolidá-la na tua vida quotidiana. Assisti à forma com tu, refugiado alemão, abusaste da hospitalidade sueca. Eras nesse tempo o futuro chefe de todos os povos suprimidos da terra.
Lembras-te do costume sueco do smörgasbord? Uma mesa cheia de pratos e doces diversos que cada um pode escolher como lhe aprouver. Este costume parecia-te novo e estranho; parecia-te impossível uma tal confiança na honestidade alheia. Disseste-me então, sem te dares conta da perversidade da tua satisfação, que não tinhas comido durante todo o dia de modo a poderes empanzinar-te de borla à noite. “Passei fome quando era criança” – disseste. Eu sei, Zé Ninguém, porque te vi passar fome e sei o que é a fome. Mas desconheces que é assim, roubando smörgasbord, que perpetuas a fome dos teus filhos, tu, futuro salvador de todos os famintos. Há coisas que se não devem fazer, tais como roubar as colheres de prata, ou a mulher, ou o smörgasbord de uma casa que'te oferece hospitalidade. Depois da catástrofe. alemã, encontrei-te meio morto de fome num parque. Disseste-me que o “Auxílio Vermelho” do teu partido se tinha recusado a ajudar-te, porque tendo perdido o teu cartão de identidade não podias provar que eras membro inscrito. Os teus chefes de todos os famintos distinguem a fome segundo a cor de quem a sofre. Nós reconhecemos apenas a fome onde a encontramos. És assim nas pequenas causas. Vejamos nas grandes: tomaste a grande decisão de abolir a exploração da era capitalista e o menosprezo da vida humana, de fazer reconhecer os teus direitos, pois que há cem anos a exploração, o desprezo pela vida humana e a ingratidão eram a regra generalizada. Mas então havia respeito pelos grandes feitos e lealdade para com os que geravam grandes, coisas, havia o reconhecimento dos talentos e dos dotes. E o que tens agora, Zé Ninguém?
Por onde quer que hajas entronizado os teus pequenos chefes, a exploração da tua força é ainda mais grave que o era há cem anos, o desdém pela tua vida mais brutal, e desapareceu todo e qualquer reconhecimento dos teus direitos. E nos países em que estás em vias de os pôr no poleiro, todo o respeito pela criação tende a desaparecer e a ser substituído pela apropriação abusiva dos frutos do trabalho árduo daqueles que te estimam. Recusas-te a reconhecer uma aptidão, porque pensas que, se o fizeres, não mais serás um americano livre, ou russo, ou chinês, recusas-te a respeitar e a reconhecer o que quer que seja. O que tentaste destruir - floresce mais vigorosamente que nunca; e o que tentaste salvaguardar e proteger, como, por exemplo, a tua própria vida, caminha para a destruição. Passaste a considerar a lealdade como mero “sentimentalismo” ou “hábito pequeno-burguês”, e o respeito
pela criatividade como simples servilismo. Não entendes que és servil quando deverias ser irreverente e ingrato sempre que deves lealdade.
Na tua estupidez obstinada julgas possuir o reino da liberdade. Hás-de acordar do teu pesadelo estendido de borco no chão. Porque roubas o que te dão e das o que te roubam. Confundes o direito à liberdade de expressão e crítica com o comentário irresponsável e a graça parva. Desejas criticar, mas não queres ser criticado, o que te destrói. Queres poder atacar a coberto de qualquer ataque. É por isso que jogas na sombra.
“Chamem a polícia! O homem tem o passaporte em ordem? É realmente médico? O nome dele não consta do Who's Who, e a Ordem dos Médicos está contra ele”.
A polícia aqui não te serve de nada, Zé Ninguém. Destina-se a apanhar ladrões e a regular o tráfico, não a conceder-te a liberdade. Foste tu que a destruíste e continuarás a destruí-la com inexorável consistência. Antes da primeira guerra mundial não havia passaportes internacionais; podias viajar para onde quer que quisesses. A guerra levada a cabo em nome da “Liberdade e da Paz” acarretou consigo o controle de passaportes, que ficou para durar. Cada vez que queres percorrer trezentos quilômetros na Europa tens de pedir autorização aos consulados de pelo menos dez países. E assim continua sendo, anos depois de finda a segunda guerra, destinada a acabar com todas as guerras. E assim continuará a ser após a terceira e a enésima guerra final.
“Ouçam isto! A conspurcação do meu patriotismo, da honra e glória da Nação!”
Cala-te, Zé Ninguém. Há dois tipos de tons: o rolar da tempestade sobre a montanha e – o teu peido. Não passas de um peido e julgas-te perfumado a violetas. Se posso minorar o teu sofrimento neurótico, como te atreves a perguntar se venho no Who’s Who? Entendo a gênese do teu cancro, e os teus miseráveis comissários de Saúde Pública proíbem as minhas experiências com ratos. Ensinei os teus médicos a entender-te clinicamente, e a tua Ordem dos Médicos denuncia-me à polícia – e quando estás mentalmente doente administram-te choques elétricos, tal como na Idade Média usavam as grilhetas e o chicote.
Cala-te, desgraçado. Toda a tua vida é miséria. Não é minha intenção salvar-te, mas hei-de levar esta conversa contigo até ao fim, mesmo que me venhas bater à porta embuçado, pela calada da noite, trazendo nas tuas mãos sangrentas a corda para me enforcar. Não podes enforcar-me, Zé Ninguém, sem te pendurares na corda. Porque eu represento a tua vida, o teu sentimento do mundo, a tua humanidade, o teu amor e a tua alegria de criar. Não te é possível assassinar-me, Zé Ninguém. Outrora tive medo de ti, tal como anteriormente havia depositado em ti demasiada confiança. Mas consegui ultrapassar-te e encaro-te agora sob uma outra perspectiva - a do tempo, milhares de anos antes, milhares de anos depois. Quero que percas o medo de ti próprio, que vivas com maior plenitude e alegria. Que o teu corpo seja vivo em vez de rígido, que ames os teus filhos em vez de os odiares, que dês felicidade à tua mulher em vez de te entreteres a torturá-la maritalmente. Sou teu médico e, dado que habito este planeta, sou médico onde quer que esteja; não sou um alemão, ou um judeu, ou um cristão, ou um italiano, sou um cidadão da Terra. Para ti, por outro lado, só existem americanos angélicos e japoneses odiosos.
“Agarrem-no! Revistem-no! O homem tem licença para exercer medicina? Proclamem um decreto real a fim de que ele não possa praticar a medicina no nosso país livre! O tipo faz experiências com a função do prazer! Prendam-no! Expulsem-no do país!”
Fui eu próprio que granjeei o direito a exercer a minha atividade. Ninguém pode conceder-me. Fundei uma nova ciência que finalmente permite entender a vida. Tu próprio a hás-de usar dentro de dez, cem ou mil anos, tal como no passado devoraste avidamente outros contributos, quando sentiste a corda a chegar ao fim. O teu ministro da Saúde não tem poder sobre mim, Zé Ninguém. Apenas o teria se tivesse a coragem de conhecer a minha verdade – coragem que não tem. E é sendo assim que volta para o seu país e comunica ao público que eu me encontro internado num hospício na América e nomeia inspetor-geral dos Hospitais um homem medíocre que, numa tentativa de negar a função de prazer, tinha falsificado diversas experiências. Eu, por meu lado, Zé Ninguém, cá vou alinhando esta conversa. Queres maior prova da impotência dos teus poderes?
As tuas autoridades, comissários de saúde e catedráticos não poderão levar mais longe do que já levaram as proibições de que
rodearam o meu trabalho de investigação do cancro. Todo o meu trabalho de dissecação e de observação ao microscópio foi feito, apesar de expressa proibição. As viagens levadas a cabo a Inglaterra e a França de nada serviram para prejudicar-me. Só lhes era possível ater-se ao terreno que sempre haviam conhecido – o da patologia. Enquanto eu, Zé Ninguém, salvei mais que uma vez a tua própria vida.
“Quando eu conseguir dar o poder aos meus chefes do proletariado alemão, havemos de o esmagar! Ele corrompe a nossa juventude proletária, afirma que o nosso proletariado padece das mesmas insuficiências sexuais que a burguesia, transforma as nossas organizações juvenis em bordéis! Afirma que sou um animal! Destrói a minha consciência de classe!”
É verdade que tento destruir os ideais que constróis à custa de ignorares o teu bom senso e a tua capacidade mental, Zé Ninguém. Só desejas a imagem irreal da tua esperança eterna, a que não te será possível alcançar. Mas só armado da verdade poderás ter a terra nas tuas mãos.
“Expulsem-no do país! É um sabotador da tranqüilidade e da ordem. É espião a soldo dos nossos inimigos de sempre. Comprou uma casa com dinheiro de Moscou (ou seria de Berlim?)!”
Tu não entendes, Zé Ninguém. Era uma vez uma velhinha que tinha medo de ratos. Era minha vizinha e sabia que eu tinha ratos no laboratório instalado na minha cave. Tinha medo que os ratos lhe trepassem pelas saias e por entre as pernas, medo que não teria se alguma vez houvesse conhecido a alegria do amor. Eram esses ratos que eu utilizava para tentar entender o processo de putrefação que é o teu cancro, Zé Ninguém. Acontece que eras meu senhorio e que a mulherzinha em questão te pediu para me pores na rua. Coisa que tu, com toda a tua coragem, a tua riqueza ética, fizeste de bom grado. Tive, pois, de comprar uma casa para poder continuar a observar os animais em teu proveito, sem que pudesses vir perturbar-me com a tua covardia. E que mais aconteceu depois disto, Zé Ninguém? Como delegado de Justiça, ambicioso e mesquinho, desejoso de utilizar a minha reputação de homem perigoso para tua promoção na carreira, denunciaste-me como espião alemão ou russo e conseguiste que a acusação me levasse à prisão. Mas valeu a pena assistir à tua perturbação e vergonha
durante o julgamento. Cheguei a ter pena de ti, pobre funcionário público, tão miserável era a tua presença. E os agentes secretos que enviaste à minha casa com mandado de busca de “material de espionagem”, não pereciam particularmente respeitadores da tua pessoa. Encontrei-te mais tarde na pessoa de um pequeno juiz do Bronx, que albergava a frustração de não ter alcançado ainda assento em mais altas esferas. Acusaste-me então de possuir livros de Lenin e de Trotsky na minha biblioteca. Nem sequer sabes para que serve uma biblioteca. Disse-te então que também lá poderias encontrar Hitler, Buda, Jesus Cristo, Napoleão e Casanova. Porque, tal como tentei explicar-te então, a peste emocional deve conhecer-se na sua gênese e em todas as suas formas, o que pareceu surpreender-te, magistradozito.
“Prendam-no! É, fascista, despreza o povo!”
Tu não és o povo, pobre juiz de província. És tu que desprezas o povo, pois que preferes assegurar a tua carreira a tomar a defesa dos seus direitos. Muitos foram também os grandes homens que to disseram, homens que nunca ouviste nem leste. Faz parte do meu respeito pelas pessoas expor-me ao perigo de dizer-lhes a verdade. Posso jogar brídge contigo ou trocar algumas graças; mas nunca me sentarei à tua mesa porque tu és um defensor impotente dos Direitos do Homem.
“O homem é trotskista! Prendam-no! É, um agitador do povo, maldito comunista!”
Eu não agito o povo, mas sim a tua confiança em ti, a tua humanidade, e é isso que te é difícil de suportar. Porque aquilo que deveras desejas é um maior número de votos, ou a tua promoção social, ou um assento no Supremo, ou ser simplesmente o grande chefe de todos os proletários. A tua justiça e a tua mentalidade de ditador são a corda que garrota o progresso do mundo. Que fizeste a Wilson, esse grande e generoso Wilson? Para ti, juiz do Bronx, era apenas um “sonhador”; para ti, futuro chefe de todos os proletários, era um “explorador do povo”. Assassinaste-o, Zé Ninguém, com a tua indolência, a tua ignorância, o teu medo da esperança.
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